Dia Branco - Livro Tunico

     
 Olá povo!
Hoje nosso assunto é literatura, irei replicar aqui o capítulo " Dia Branco" do meu livro Tunico, essa história se passa em uma sexta-feira da paixão, e, tenho certeza que irá emocionar você....
            Dia Branco
     Ao terminar a missa de Lava Pés, Tunico, Tiquinho e sua mãe descia vagarosamente a rua. Maria segurava a mão de Tunico, enquanto Tiquinho ia correndo à frente, sendo monitorado com os olhos pela mulher que, apertava o passo cada fez que o menino dobrava uma esquina e saia do seu campo de visão.
 - Mamãe, é amanhã que os fazendeiros distribuem leite de graça para o povo, não é?
 - Sim, Tunico!
 - A senhora vai trabalhar amanhã?
 - Você está doido, menino! Amanhã é Sexta-Feira da Paixão, dia de ficar quieto em casa, jejuar, não brigar com o irmão e não devemos sequer varrer o terreiro.
 - Mãe, vamos conosco buscar leite na fazenda do seu Gustavo? É pertinho! Colocamos as latas no nosso carrinho de madeira e rapidinho chegaremos lá!
    Antes de a mãe lhe dar uma resposta, pois ela estava preocupada com Tiquinho que corria na frente e ela o tinha perdido de vista, Tunico insistiu.
 - Hein, mãe! Vamos? Nós sairemos bem cedinho e chegaremos lá antes de todos!
 A mulher suspirou profundamente, talvez por cansaço ou pelo sermão do padre que amolecera seu coração e disse com um tom delicado:
 - A mamãe está precisando tirar um tempinho para vocês dois mesmo. Minha vida é só trabalhar, não faço mais nada e vocês estão crescendo sem que eu veja. Daqui a um tempo vocês nem vão querer saber mais de mim!
 Tunico deu um pulo no ar, erguendo as mãos para o alto como que comemorasse um gol, pulou em sua mãe quase a derrubando e disse:
 - Mãe, eu te amo! Nunca vou abandonar a senhora!
 E saiu em disparada, rua abaixo, para dar a notícia ao irmão, enquanto a sua mãe sorria e, simultaneamente, deixava cair uma lágrima em seu rosto.
 Às cinco da manhã, os três saíram, ainda no escuro, em busca do precioso líquido branco.
 Tunico e Tiquinho iam mais à frente com o carrinho de madeira cheio de latas que batiam uma nas outras fazendo um barulhão naquela silenciosa manhã de Sexta-feira Santa e a mãe os orientava, pedindo para andarem mais devagar para não incomodarem o bairro inteiro.
 - Mãe, temos que chegar rápido porque senão vai acabar tudo!
 Disse Tunico ao manobrar seu carrinho com cuidado em cima de um mata-burro. Eles tinham acabado de deixar a cidade para trás e pegaram uma longa estrada cascalhada e, depois de algumas boas curvas, chegariam à fazenda do Seu Gustavo.
    Os dois dispararam na frente. A mãe os olhava e observava o quanto eles estavam crescidos e sadios; enquanto, lá na frente, Tunico comentava com seu irmão a respeito da mãe:
 - Tiquinho, a mamãe está tão jovem e linda! Ontem depois da missa enquanto brincávamos na praça, vi um homem “arrastando asas” para cima dela. Fiquei com um pouco de ciúmes, pensei até em acertar as contas com ele, mas vi que ela estava feliz e dava risadas enquanto conversava com ele. Então, resolvi deixar de graça! Penso que ela aceitou vir conosco buscar leite só porque estava entusiasmada com aquela conversa. Eu o ouvi falando sobre um baile não sei de quê e o atrevido perguntando para a mamãe se ela ia. Você acredita nisso? Tiquinho, eu até deixo a mamãe ir nesses bailes, coitada, ela trabalha muito, mas se esse homem aparecer lá em casa e quiser ficar no lugar do nosso pai, eu arrebento a cara dele.
 - Eu te ajudo e coloco o Ringo para morder a bunda dele e nunca mais ele voltará lá!
   Disse Tiquinho dando risadas.
 - Tunico, se nós enchermos todas essas latas de leite, a mamãe pode fazer queijo e preparar aquela deliciosa receita de pão de queijo que ela aprendeu com nosso avô Tunico.
 - Verdade, Tiquinho! E quem sabe dá até para nós vendermos na escola e ganharmos uma graninha?
 Chegaram à porteira da fazenda e foram recepcionados por dois grandes cachorros que latiam e abanavam o rabo. Tiquinho, em instantes, fez amizade com os caninos e já estava acariciando os dois.
 Eles não viram nem sinal do povo que ia buscar leite e muito menos dos retireiros da fazenda.
 - Será que fomos os primeiros a chegarem e os retireiros nem buscaram as vacas ainda!
 - Acredito que sim, Tiquinho! Vamos nos dar bem! Vai ser até difícil levar tanto leite!
 Disse entusiasmado, Tunico!
 A mãe, já desconfiada de que tinha algo errado, resolveu se adiantar, bateu palmas, chamando:
 - Ô, de casa!
 Após alguns minutos, apareceu um agregado da fazenda, bem conhecido por eles, pois vendia leite na cidade em uma carroça, e Tunico, entusiasmado o cumprimentou e já foi logo perguntando!
 - Seu João, vai demorar começar a distribuir o leite!
 O funcionário, meio sem jeito, deu uma ajeitada em seu chapéu Panamá, pegou um cigarro de palha atrás da orelha, meteu fogo nele, deu dois tragos e respondeu com ironia:
 - Uai, Tunico! Se vocês quiserem esperar, ano que vem tem mais, porém têm que vir mais cedo ou acampar na porta da fazenda como a maioria fez este ano. Às quatro horas da manhã já tinha umas cinquenta pessoas aqui esperando e, em poucos minutos, não tinha mais nem uma gota de leite. Carregaram tudo!
 Foi como um soco no estômago de Tunico e Tiquinho. Depois de tanta expectativa e tantos planos, tudo deu errado. A mãe não sabia o que falar para amenizar o descontentamento dos garotos.
 Deram meia volta e retornaram em silêncio, com o carrinho cheio de latas vazias fazendo o mesmo barulho, batendo uma nas outras, até que Tunico resolveu quebrar o silêncio:
 - Mamãe, será que é castigo de Deus? Eu sei que não sou tão bonzinho o tempo todo, que tenho feito algumas coisas que não agradam a Deus, mas eu pensei que Ele ficaria mais misericordioso conosco, pelo menos nesse dia. Ele não perdoou até aqueles que o mataram na cruz? E na missa de ontem o padre disse que ele lavou os pés até de Judas que O entregou para aquele rei que não sei o nome. Não foi isso mesmo?
 O menino, contrariado com a situação, ainda disse:
 - Por que Deus não gosta de nós, mamãe? Ele até deixou nosso pai morrer tão novo!
 A mulher encheu os olhos d’água. Estava se sentindo impotente e, sem demonstrar, estava também com um pouco de revolta com tanta desigualdade em sua volta, tomou coragem e falou:
 - Eu te entendo, meu filho! Mas a culpa não é de Deus. A culpa é dos homens que só pensam em juntar dinheiro e se esquecem de que caixão não tem gaveta. O pai de vocês está em um lugar melhor que nós e deve estar orgulhoso desses meus rapazes tão corajosos e que irão vencer na vida!
 Maria fez umas cócegas nos dois que saíram correndo, tentando fugir, e já em gargalhadas.
 - Mamãe, como era o papai?
 Perguntou Tiquinho.
 - O pai de vocês não era nem baixo e nem muito alto, tinha a barba grande e ruiva, os cabelos iguais a de Tunico. Era muito carinhoso comigo e com vocês! Antes de morrer, ele me disse que ia trabalhar na carvoaria, ganhar um bom dinheiro e encomendaria dois caminhões de madeira ao senhor Mingau para presentear vocês no dia de Natal. Mas, infelizmente, aconteceu o que vocês já sabem!
 E, vendo que tinha que fazer algo para amenizar a tristeza dos filhos, resolveu mudar de assunto:
 - Agora chega de melancolias, vamos apostar corrida até chegar à porteira! E quem chegar por último é a mulher do padre!...

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